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Atualizado: 20 de dez. de 2020


As várias maneiras de servir


Romário Arthur Ferreira, proprietário do restaurante Recanto do Farol, em Itapoá (SC), conta sua história e nos mostra que é possível oferecer à sociedade sempre mais do que o esperado.


Conte-nos um pouco de sua história. Quais acontecimentos de sua vida despertaram a ideia deste tipo de ação social?

Se eu lhe contar toda minha história, dará para escrever um livro, que provavelmente vai gerar um filme depois (risos).


Sou filho de uma família paupérrima; meu pai, quando eu tinha dois anos, ficou paralítico. Perdeu todos os movimentos do lado direito. Não pôde mais trabalhar e passou a viver de esmolas para sustentar a família. Durante minha infância, até os oito anos de idade, eu o acompanhava nas andanças. Minha mãe era lavadeira e empregada de famílias ricas; mais tarde, veio a trabalhar na cozinha de um restaurante. Olhando hoje, talvez por isso eu tenha esse perfil. Fui influenciado.


Naquelas andanças meu pai conheceu um cidadão que se sensibilizou e passou a ajudar nossa família com cestas básicas mensalmente. Era uma pessoa bem relacionada no meio político e jurídico. Tempos depois, conseguiu vagas para mim e meu irmão em um abrigo de menores, um internato administrado pelos Irmãos Maristas que recebia menores carentes, órfãos e delinquentes. Aos oito anos, fui internato nesse Abrigo de Menores, mais tarde chamado Educandário 25 de Novembro. Estudei Música e fui integrante na Banda Santa Cecília como clarinetista. Completei a oitava série e iniciei o Curso Técnico em Edificações na Escola Técnica Federal de Santa Catarina. Com 18 anos tive que deixar o Internato, que era somente para menores. Passei a morar em uma pensão de estudantes e fui trabalhar como office-boy em um estabelecimento bancário. Concluí meu Curso Técnico e fui trabalhar nessa profissão em um órgão público estadual.


Após isso, cursei Ciências Contábeis na UFSC. Logo que me formei, em 1984, fui aprovado e classificado para o concurso público para Fiscal da Fazenda Estadual de Santa Catarina. Cargo que exerci por 34 anos. Minha aposentadoria chegou após 40 anos de contribuição previdenciária. Ao me aposentar, coloquei em prática o sonho de ter um restaurante.


Por volta do ano 2000 já pensava no que faria quando me aposentasse, e a ideia de ter um restaurante sempre foi a mais atraente. Por isso, posso dizer que o Recanto do Farol representa a realização de um sonho. Além de sempre me encantar por esse estilo de vida, gosto de trabalhar relacionamentos, de lidar com o público.


Caso possa resumir tudo em momentos, diria assim: uma infância carente, uma adolescência e juventude no internato marista, uma vida universitária em pensão, bancário e uma vida pública como Técnico em Edificações e Auditor Fiscal da Fazenda Estadual até minha aposentadoria. E agora, vivo minha experiência como empresário.


Como funciona a ação social? Como se dá a escolha da entidade ajudada?

Trabalho social é algo que faz parte de nosso modo de pensar desde o projeto do restaurante.


Nossa ideia inicial era criar um restaurante-escola para atender a comunidade em que estamos inseridos e fazer de nosso bairro um lugar de referência de mão-de-obra na área de gastronomia e serviços. Chegamos a promover dois cursos gratuitos (um de auxiliar de cozinha e outro de garçom) para os moradores. Assim formamos nossa primeira equipe. Os outros ficaram disponíveis no mercado. Ao todo, foram cerca de 80 pessoas.


No entanto, esse projeto não se apresentou viável por fatores diversos. Assim, resolvemos adotar outro tipo de ação: um dia por mês, há no Recanto um jantar beneficente em prol de alguma entidade filantrópica. Adotamos um lar de idosos, no ano passado, e em 2018 estamos trabalhando em prol da APAE de Itapoá.


Desde março de 2017, em toda última quarta-feira de cada mês o faturamento é integralmente destinado à entidade indicada. Na última vez, por exemplo, tivemos aqui 80 pessoas num buffet de sopas e cremes.


A própria APAE se encarrega de vender os convites para o jantar. Programamos menus diferentes a cada edição para ser mais atrativo. A arrecadação já fica com eles, nem passa por nós. As pessoas só vêm aqui com o convite e comem.


A APAE tem um trabalho diferenciado, um apelo social bem forte, são organizados e bem administrados. Mas caso sejamos procurados por outras entidades com dificuldades, certamente vamos ajudá-las também!


Compartilhamos nosso espaço e nosso trabalho. Neste dia, todos os funcionários abrem mão de suas comissões; eles também se envolvem, trabalham voluntariamente.


Como é a repercussão na cidade? Em que aspectos esse dia muda a rotina de vocês?

Nossa ideia é contribuir socialmente. Não há intenções mercadológicas de trazer clientes para o restaurante, não queremos lucrar com a ação. É um trabalho social e voluntário. Obviamente há uma repercussão indireta, mas não é nosso objetivo. Não estamos trabalhando nosso marketing. Estamos trabalhando nossa partilha, nossa solidariedade.


Toda empresa deve compartilhar com a sociedade em que está inserida. Pode ser um pequeno comércio, uma indústria, etc. A sociedade dá o sustento à instituição, e assim nasce seu dever de retribuir, de compartilhar. Particularmente, enquanto meu restaurante existir, enquanto eu estiver vivo, isso vai existir aqui. Independentemente do lucro ou prejuízo que o Recanto do Farol possa ter. É um projeto perene.


Fico feliz por saber que a entidade ajudada pode colocar nossa ação em seu planejamento financeiro. Que com o recurso arrecadado consigam pagar, por exemplo, uma despesa inesperada que venham a ter, como foi o conserto de um carro há uns meses. Não parece muito a princípio, mas aí a sociedade, o bairro começa a se envolver... as pessoas começam a entender que os pequenos e os grandes são iguais, e que todos devem participar da vida comunitária.


“RECEBI TANTO QUE PRECISO, DE ALGUMA FORMA, RETRIBUIR À SOCIEDADE”

Administrativamente, é um dia como qualquer outro. É prazeroso! Os funcionários se envolvem. Nada é forçado, é gostoso estar ali envolvido.


Você acredita que outras pessoas podem despertar em si esse olhar para a comunidade? O que falta para que isso aconteça?

Sinto aqui uma repercussão bem bacana de nosso voluntariado. Ouço bastante sobre o “trabalho social do Recanto do Farol”. Outro dia, por exemplo, a rádio local fez um agradecimento ao vivo a todos que participaram direta ou indiretamente da campanha do Recanto, que compareceram ao jantar.


Há um impacto, sem dúvida. Sentimos isso no dia a dia da cidade. As pessoas falam “que legal, precisamos fazer mais ações assim”. Essa frase é um reflexo de que amanhã mais alguém pode começar a ajudar também.


Veja, eu não quero dar exemplo para ninguém; o que faço é um princípio de vida. A ideia é fazer nosso papel, e se porventura alguém se inspirar ao nos observar, melhor. A educação se dá pelo exemplo, para o bem ou para o mal. O feito vale mais do que a palavra. Se nossa ação puder encorajar mais pessoas a fazer algo semelhante, vai ser muito bom.


Itapoá é uma cidade com bastantes ações comunitárias, mas certamente precisamos de muito mais. Como é muito pequena, tenho receio de que um potencial ator social possa olhar para algo sendo feito dentro de determinado campo e se sentir desestimulado por não ser o único ou o pioneiro. Mas isso não pode impedir ninguém!


A rigor, recebi tanto, Deus me deu tanto, que eu preciso de alguma forma compartilhar, retribuir à sociedade. Eu pedia esmolas para comer, e consegui me formar em uma escola técnica, uma universidade. Fui abrindo caminhos. Fiz carreira pública na área de Auditoria, fui professor universitário, de pós-graduação, na área de Direito Tributário. Eu tinha tudo para ser um criminoso, um delinquente juvenil, e cá estou. Quantas pessoas têm os mesmos incentivos que eu tive? Esse foi o meio que encontrei para retribuir.


O que, em sua opinião, precisa ser feito para que a participação popular na resolução dos problemas sociais cresça? Como precisamos agir para estimular os outros?

Vejo que isso é um problema mundial. O melhor é inspirar pelo comportamento que temos: se cada um de nós entender que, por princípio, estamos aqui para também servir, e não sermos servidos, vamos encontrar a solução de todos os problemas sociais, pois a partir daí todos os princípios de vida se alinharão.


Precisamos perceber que estamos aqui de passagem para melhorar as coisas. Não vejo uma solução imediata para os problemas sociais, mas se cada um resolver os problemas dos pequenos lugares em que estão, de suas comunidades, as soluções tornam-se mais e mais abrangentes.


É necessário um pouco de resiliência, também, claro. Precisamos entender que não iremos resolver tudo sozinhos, nem com facilidade. Temos que pensar que em todos os âmbitos estamos aqui para servir. Cada um de nós tem a obrigação moral de fazer a sua parte. Quero fazer a minha.


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