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Atualizado: 20 de dez. de 2020



Além de números e relatórios


Como administrar um escritório de Contabilidade especializado em Terceiro Setor? Jefferson Lopes Viana, nosso entrevistado, divide conosco histórias e aprendizados vindos dessa rica experiência.


Conte um pouco sobre a sua trajetória. Como foi a aproximação com projetos sociais? Quais os desafios, sucessos e aprendizados?

Iniciei minha atuação na área em 1999, quando comecei a trabalhar na Fundação Abrinq. Havia, na época, um projeto chamado “Crer para Ver”, apoiado pela Natura (que repassava parte de suas vendas). Com esse dinheiro, outras iniciativas sociais eram financiadas pelo país inteiro.


Os projetos atendidos recebiam determinadas verbas, e esse repasse acarreta um período de desembolso e prestação de contas; era nisso que atuava. Nesse primeiro momento, eu analisava números, pura e simplesmente.


Com o passar do tempo, passei a entender um pouco mais sobre o funcionamento das instituições. Percebi que olhar apenas para os números era algo muito insensível; você acaba não entendendo bem ao que o recurso é destinado. Aprendi a ler criticamente os relatórios, compreendendo a ideia e atuação dos projetos. Isso se deu, também, porque dependendo de suas especificidades certos gastos não são permitidos. Ou seja, acabou sendo benéfico em mais de um aspecto.


Trabalhei nove anos na Fundação. Quando saí de lá, abri meu escritório de Contabilidade. Minha ideia inicial era avançar sobre este nicho de mercado do Terceiro Setor. Comecei a prestar serviços para ONGs e associações, embora boa parte dos clientes também fossem (e até hoje são) empresas. Passei a atuar para todas como contador.


O escritório foi aberto fisicamente em 2006, embora já tivesse clientes desde 2003. Como vim de uma área dentro do Terceiro Setor, optamos por não ser apenas um escritório padrão, não fazer apenas aquilo para o que fomos contratados. Procuramos entender também os valores do cliente! Ok, nós fazemos as documentações, registramos débitos, créditos... Mas há outros elementos a serem trocados.


Um antigo cliente, por exemplo, não possuía balanços financeiros de seus últimos anos. Não fizemos apenas os balanços, como também criamos um manual de procedimentos internos, instruindo-os a fazer contratações e pagamentos da maneira mais correta possível. Assim, cria-se um processo no qual a retidão se mantém, garantindo um bom funcionamento sempre. Essa parte “extra” do trabalho é vista a partir das individualidades que notamos.


Qual a sua visão geral sobre a maneira com que o Terceiro Setor e Setor 2.5 lidam com seus aspectos contábeis?

Sou bastante crítico sobre a utilização de recursos em ONGs. De maneira geral, vejo que existe muito pouca mão-de-obra capacitada para a área financeira. Por outro lado, as áreas técnica, pedagógica e social são sempre muito bem estruturadas.


Quando se vive dos recursos de terceiros, o dinheiro investido tem que andar junto com o desenvolvimento técnico. Por isso, é necessário justificar em que os recursos foram gastos. E, nesse aspecto, ainda falta muito a ser feito. Muitas instituições patinam nesse campo, visto que lhe dão pouca importância. Vejo organizações de todos os tamanhos com essa mesma situação.


Ocasionalmente, checava quais serviços e profissionais haviam sido contratados e percebia que muitas vezes as notas não eram relacionadas ao objeto do projeto. Entretanto, se você possui um financiador grande, uma multinacional investidora, por exemplo, a prestação correta fatalmente será exigida. Logo, hoje trabalho para mudar essa cultura. Procuro contribuir nesse sentido. A a priori, para fazer a contabilidade da ONG, antes de mais nada, faço o possível para entender e compreender qual seu objeto social; desta forma, consigo analisar os gastos e verificar se tais despesas estão relacionados ao Objeto Principal. Sei que a prestação de contas ocorrerá, e assim trabalhamos para despesas e gastos com as rubricas de cada projeto financiado. Sei também que os financiadores dão extrema atenção a detalhes que asseguram a idoneidade da organização. Ajudamos nessa parte, evitando que procedimentos incorretos sejam feitos.


Já tivemos casos aqui em que clientes começaram a mandar notas que não batiam com o propósito da iniciativa. Avisei-os que aquilo estava errado, porque na hora de prestar contas aquilo seria levantado e se tornaria um problema. Com minha indicação, acabaram conversando e dando outro rumo aos projetos, para que se adaptassem melhor ao que estavam fazendo.


Já houve muitos casos em que não assinei relatórios de ONGs por não estarem corretos. E, querendo ou não, vai sobrar para mim depois, porque é o contador que assina o relatório (risos).


Quais dicas você daria para quem está iniciando uma empresa, tanto no ramo privado como no Terceiro Setor e Setor 2.5?

Aprendi muito desde que abri a empresa. Por isso, hoje consigo prever algumas coisas ruins que podem acontecer aos clientes.


Uma parte essencial é conhecer o mercado em que se deseja entrar. Conhecer o nicho, o tipo de operações. Na área de serviços, também é necessário ter uma reserva, visto que o lucro só vem depois de aproximadamente três anos.


No caso de uma ONG, é mais complicado. Para começo de conversa, você não vai trabalhar com um dinheiro propriamente seu. Então é necessário que a forma de captação esteja muito bem definida. Também se deve deixar claro o desenvolvimento do projeto: formas de contratações, parcerias, etc.


É importante frisar: empresas trabalham para ter lucro; ONGs não. Muitas vezes as pessoas procuram meu aconselhamento porque desejam fundar uma ONG. Pergunto-lhes se pretendem ter algum tipo de lucro com aquela atividade. Em caso positivo, digo que não é uma ONG, mas sim uma empresa a ser aberta. Por mais incomodadas que fiquem às vezes, é meu dever avisar. É melhor isso do que apresentarem, depois, problemas de funcionamento. Além disso, a finalidade social não se perde assim.


“QUANDO LIDAMOS COM UM RECURSO QUE NÃO É NOSSO, A RESPONSABILIDADE COM O DINHEIRO É MAIOR DO QUE SE FOSSE NOSSO PRÓPRIO”

A parte contábil quase não muda entre os setores. O que muda são os procedimentos de regulação. Por isso, quando analisamos um cliente, precisamos fazer uma leitura crítica de seu tipo de atividade. Assim, otimizamos a maneira como aquela instituição gerencia seus recursos, o lhe confere muito mais idoneidade e confiança na hora de prestar contas.


Durante esses anos de experiência em Terceiro Setor e Setor 2.5, quais lições mais influenciaram sua vida pessoal e profissional?

Mesmo antes da Fundação Abrinq já tinha em mim esse trabalho social, tanto na parte pessoal, de querer ajudar, quanto na parte técnica.


No entanto, meu cotidiano, minhas crenças, foram profundamente influenciados por meu trabalho. Aquela parte de mim que busca evitar o desperdício, os maus gastos... Também faço isso na vida pessoal. Meus valores se complementam. As lições fizeram com que minha vida pessoal não seja diferente do que prego na profissional.

Aparecem todos os tipos de clientes aqui em nossa empresa. Entre eles, notamos alguns que possuem ideias extremamente válidas e projetos realmente benéficos. Outra lição que aprendi foi que às vezes o valor do serviço pode parecer pouco, mas o valor da causa nos fortalece. É nossa crença. A contrapartida muitas vezes vem na forma de valores não mensuráveis. Nossa prática tem que ser consoante ao que pregamos.


Por fim: aprendemos a lidar com clientes que nos procuram falando sobre o que lhes foi prometido por nossas concorrentes. Promessas que foram feitas, coisas que foram vendidas como possíveis mas que, na realidade, não são. Por mais que a verdade lhes seja incômoda, é o melhor caminho. Por isso, se o procedimento não é certo, não endossamos.


Ao observar o trabalho realizado pelas ONGs com que atua, como avalia suas atuações na sociedade? Em quais pontos houve evolução e em quais ainda é necessário progredir?

Acredito que evoluíram muito dentro de suas missões e seus escopos. Muitas delas conseguiram transformar de maneira impactante a realidade social de seus beneficiários.


Sinto falta de uma profissionalização maior nos procedimentos. Existe, hoje, muita “camaradagem” entre eles, muita tolerância. Isso, claro, torna os processos menos rigorosos. E acabam sendo mal aplicados. O foco no resultado não justifica processos errados ou caminhos esquivos. Quando lidamos com um recurso que não é nosso, a responsabilidade com o dinheiro é maior do que se fosse nosso próprio.


Qual mensagem gostaria de passar para outros profissionais que, assim como você, buscam um viés social nas atividades que desempenham?

E necessário que todos se vejam como uma parte atuante da sociedade; que todos entendam a importância dos papéis que desempenham. Você não vai resolver sozinho todos os problemas do mundo, mas se você fizer sua parte já estará contribuindo muito. Em casa, por exemplo: tomamos cuidado com o que consumimos, evitamos desperdício. Por menor que isso seja (em casa somos apenas dois), as unidades tornam o todo forte. Se todos fizerem o certo, haverá uma repercussão. Isso muda as pessoas de dentro para fora.


Nossa sociedade é muito individualista. Se passássemos a nos importar mais com os outros, seria maravilhoso. Muitos se preocupam só com dinheiro. Ganhar dinheiro é muito bom, mas que vantagem há em ganhá-lo de uma maneira escusa? Cada um tem que desejar mudar isso. Ninguém está sozinho no mundo. Nós podemos mudá-lo para melhor.


Pensemos não apenas em si próprios. Vamos separar uma parte de nosso tempo para nos dedicarmos a algo social! É preciso entender que não precisamos ter benefícios diretos com todas as coisas. Se todos fizerem certo, a maior parte a sociedade entenderá que a mudança chegou.


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