Mudança certeira
Após tempos de muitas reflexões e aprendizados, o jovem Luis Oliveira fala sobre as atitudes que o fizeram sair de um cotidiano profissional opaco para ingressar no time da Communitaria.
Sua carreira começou de forma bem diferente. Como foi sua trajetória até encontrar a paixão pela área social?
Eu venho de uma família simples. Então, sempre foi muito normal, para mim, ter que correr atrás das coisas que eu quisesse. Comecei a trabalhar bem cedo, com quinze anos. No começo, trabalhei em uma vidraçaria, com entrega de comida, auxiliar de almoxarifado... conciliando sempre estudo e profissão.
Nessa época, meu objetivo era simples: passar o resto da vida na empresa em que estivesse. Vinte, trinta anos. Fazer carreira, ter um salário alto, vida confortável, esse tipo de coisa. Era um pensamento bem conformista.
No entanto, nessa época já me incomodava com o fato de que, apesar de me dedicar muito, não recebia o devido reconhecimento. Desmotivado, comecei a procurar outros empregos. Ao começar em outra empresa, na qual me sentia muito mais “encaixado”, fui feliz por um tempo: bom salário, benefícios. Minha visão era puramente materialista; acreditava que tinha tudo o que precisava. Mesmo assim, o tempo passou e não estava feliz novamente. Sentia angústia; algo faltava.
O que se alterou, então? Qual foi o momento em que decidiu mudar de área?
Percebi, depois de um tempo, que a questão não era com a empresa; era comigo. Independentemente do aspecto formal, queria sentir que trilhava um caminho compatível com meus princípios.
Essa reflexão se aprofundou quando comecei a ler o blog de um casal de brasileiros que largaram seus respectivos empregos e viajaram a países da África, Ásia e Oceania a fim conhecer pessoas que atuam em suas comunidades, com o intuito de identificar novas formas de agir e contribuir para a transformação social. Cada nova história mexia muito comigo e, apesar de sentir certa inquietude, aquilo trouxe clareza sobre o que acontecia dentro de mim.
Comecei a fazer trabalhos voluntários; minha primeira experiência foi em um programa que desenvolve projetos de melhorias para ONGs. Aquilo fez meus olhos brilharem. Desenvolvi com meu grupo uma ação para um albergue no Centro de São Paulo. Foi o início desse meu despertar; saí da zona de conforto e fui em busca de mudanças. E me senti plenamente satisfeito enquanto fazia aquilo! O impacto foi transformador. E acabei querendo mais.
Pouco tempo depois, houve a tragédia ambiental de Mariana. Vendo aquilo, eu e alguns amigos não pudemos ficar parados. Mobilizamos conhecidos, alugamos um carro e acompanhamos um comboio, organizado pela família de um colega do trabalho, rumo à cidade. Essa movimentação toda gerou cerca de sete toneladas de doações.
Foi surreal. A destruição cortou meu coração. Era possível ver a dor nos olhares das pessoas. Ao mesmo tempo, havia uma mobilização muito forte, de todos os lugares do Brasil. Pessoas se ajudando de todas as maneiras possíveis.
Fomos a Barra Longa, um município próximo. Lá, tudo estava destruído. Era possível ver a marca de terra nas paredes das casas. Fizemos questão de deixar as doações nas mãos dos moradores. Deu muito mais trabalho, claro: atravessamos muitas estradas enlameadas e cheias de entulho. Mas entregamos tudo. E saímos de lá novamente transformados.
Todos esses acontecimentos mexeram muito comigo. Passar a semana inteira sentado à frente do computador parecia, agora, pouco comparado com o mundo fora da empresa.
Tinha a certeza de que precisava mudar o escopo de meu trabalho. Por isso, tomei a decisão de me dedicar a coisas que tivessem propósito. Ao descobrir que o Flowmakers (um ciclo de cinco meses focado em desenvolvimento humano, inovação e empreendedorismo) havia aberto inscrições para seu programa, não perdi tempo.
O processo é simples: após a inscrição, há um questionário, no qual determina-se o perfil do candidato. Com base nisso, há sessões de matchmaking, nas quais candidatos e empresas se conhecem e escolhem quais lhes são mais interessantes. O “match” acontece quando há um interesse mútuo; a partir daí, ocorre uma entrevista individual. Fiz esse processo optando pela Communitaria, porque queria trabalhar com projetos sociais... e cá estou!
Quais diferenças você percebe agora? Quais os desafios e recompensas de suas novas escolhas?
Meu maior desafio aqui é mudar meu mindset. Percebo que ainda sou muito corporativo, e aqui vejo que precisamos ser mais flexíveis, especialmente porque lidamos com comunidades e suas pessoas. Então o ritmo é outro, o teor é diferente. Outro desafio é perceber que aqui trabalho de uma maneira muito mais pessoal, comunicativa. Estou num grande processo de aprendizado.
Aqui não vejo minhas funções como uma rotina. O que faço aqui é diferente a cada dia. É recompensador, porque estou exatamente no lugar em que havia me idealizado. Aprendi a me focar no agora, a estar vulnerável, a não criar barreiras. Quanto mais presentes somos, mais completos nos sentimos.
Você dá suporte a consultores em diversos projetos. Como se dá essa assistência? Como é a convivência com eles e com as comunidades atendidas?
Gosto bastante de dar suporte a eles; tenho esse lado mais prestativo. Ao mesmo tempo, é bom para mim porque aprendo enquanto os auxilio. Aos poucos, vou me inteirando mais sobre o cotidiano de um gestor de projetos. Dou assistência com planilhas, tabulando dados de pesquisas, fazendo análises de relatórios, diagnósticos de alguns municípios... interpreto dados para formularmos estratégias.
Minha comunicação com as comunidades, embora pontual, é muito interessante. É uma forma de aprender seus funcionamentos, especialmente porque são muito distintas umas das outras. Uma em Santa Catarina, outra no Mato Grosso, mais outra no interior de São Paulo... Cada uma com suas particularidades. Uma é litorânea, com um grupo de pescadores muito ativo; outra é de agentes envolvidos com Educação Infantil; a terceira é focada em Conselhos Municipais e pessoas preocupadas com o andamento da política de seu município.
Com o trabalho, desperta-se uma capacidade de estimulá-los, fazendo com que se empoderem em suas causas e que gradualmente tomem as rédeas das ações. Desenvolvemos sua autonomia. Nossa intenção é capacitá-los para que sejam autossuficientes na gestão dos projetos.
Isso é um processo de aprendizado mútuo: essa comunicação, esse relacionamento, faz com que nos integremos em suas culturas. Saímos da bolha em que vivemos, conhecemos outras realidades, olhares, perspectivas. Aprendemos a nos botar no lugar do outro.
Acredita que seu trabalho a favor da comunidade pode servir de inspiração a outros? Qual o impacto de suas ações no mundo?
Acredito que meu trabalho e ações de voluntariado e solidariedade inspiram, sim, as pessoas. Quando explico minhas funções aqui, vejo que ficam admiradas com o que realizamos na Communitaria. Isso se dá, em certa parte, porque venho de um local em que as pessoas não têm o hábito de colocar a mão na massa em prol do bem comum; são de uma cultura mais assistencialista. Então, para elas, não é comum ver alguém saindo de sua zona de conforto para se envolver com as situações dos outros. Vejo que eles gostam e ficam inspirados a ajudar mais pessoas.
Meu trabalho tem um impacto positivo no planeta; minha atuação, mesmo que indireta, contribui para a transformação necessária. Agora que estou no caminho que desejava percorrer, quero cada vez mais evoluir e presenciar mais mudanças.
Acredita que mais atuações como a sua são possíveis e necessárias?
Cada pessoa tem um pouco de líder comunitário dentro de si! Acredito fortemente no lado humano das pessoas, que acaba mobilizando os outros a fazerem coisas boas. Não precisamos, necessariamente, de grandes líderes. Existem muitos que mobilizam um número pequeno de pessoas e já causam significativas transformações. A clareza de que o aspecto altruísta é forte me dá esperanças de um futuro melhor.
Ver as transformações que ocorrem também é inspirador: encontro pessoas cada vez mais mobilizadas, preocupadas com o próximo e voltadas à ajuda de quem está vulnerável. Tudo isso é feito por líderes, agentes que tomaram a decisão de se dedicar a olhar em suas voltas.
Quais seus planos para o futuro?
Nesse processo todo que me trouxe até aqui, nunca soube direito o que queria fazer. Comecei diversos cursos, mas nenhum me completava. Agora estou bastante feliz estudando Design. Meu coração diz que esse eu finalmente vou terminar (risos).
Escolhi o curso porque uma das coisas que mais gosto é criar, desenvolver conceitos, estimular meu lado criativo. Ao mesmo tempo, estando na área social, que é meu lugar, quero desenvolver soluções, ver problemas sociais e pensar em respostas eficientes, baratas e multiplicáveis. É preciso criatividade para isso.
O design vai unir esses dois lados, o criativo e o social. A certeza que tenho é que quero aprender, preencher minha mente com o conhecimento que o curso oferece e o conhecimento que os projetos comunitários me dão. Trabalhar com inovação social para poder ajudar com o máximo de minhas capacidades.
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Como planejar um bom diagnóstico: O diagnóstico é uma ferramenta fundamental tanto para se conhecer uma comunidade, como para se preparar a implantação de um projeto.
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