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Pessoas que queremos que você conheça...

Atualizado: 20 de dez. de 2020

...porque trabalhar a cultura é trabalhar a sensibilidade do ser humano.


O mestre da cultura caipira


Com cinco mil habitantes, a cidade de Lagoinha, no interior paulista, é palco de intensas atividades culturais. Boa parte desse cenário é obra de uma pessoa: Amarildo Pereira Marcos, que há quarenta anos trabalha – voluntariamente - os costumes da região com a comunidade.


Primeiramente, conte um pouco sobre sua história. Há relatos com mais de quarenta anos nos quais você já participava de atividades comunitárias na cidade. Como essa história começou?

Sou nascido e criado na roça, filho de uma tradicional família caipira. Meus pais e irmã, inclusive, moram em uma casinha de pau a pique na zona rural até hoje. Tenho quase a mesma idade de Lagoinha (a cidade tem 63 anos, e Amarildo, 51).


Falando sobre cultura caipira, comecei a ajudar meu pai aos 7 anos de idade. Eu o observava tocando violão, cantando músicas caipiras, organizando arrasta-pés e o acompanhava. Com onze anos comecei a dançar moçambique (dança típica constituída por um cortejo que percorre as ruas) e a tocar violão.

Desde então trabalho para cultivar essa cultura rica, que não é só minha ou de nossa região, mas do brasileiro. E tem dado certo.


Lagoinha é uma cidade muito rica culturalmente. De quais projetos você participa atualmente? De quais já participou?

A cidade tem muitos grupos culturais; tem muita gente que canta, que toca, que transmite o que sabe.

Vim para cá em 1994. Na época, não havia nada daquelas coisas bonitas que eu via na roça, daqueles ensinamentos que carregava comigo. Em 2001, formei um grupo chamado Orgulho Caipira, para preservar e fomentar essa rica herança, que vem desde a Folia de Reis (celebração religiosa que relembra a peregrinação dos Reis Magos) até a dança do arrasta-pé.


Atualmente, realizamos muito mais projetos. Entre eles, destaco um trabalho de Ciranda Cultual nas escolas municipais, no qual passamos esse conhecimento simples, caipira, para nossas crianças. Há um encontro anual de moçambique e congado (bailado com canto e música que encena a coroação de um rei). É uma proposta que escrevi e que a cidade abraçou. Realizamos um evento no qual convidamos todos os grupos culturais da cidade e região para se apresentar. Por fim, mantemos vivas as práticas do canto do Brão (cantiga de trabalho tradicional) e o jongo (dança praticada ao som de tambores). Danças culturais, que se unem à música para contar nosso passado e maneira de viver.


Quem acompanha seu trabalho percebe facilmente que você é muito querido pelo povo. Qual a relação entre a manutenção da cultura local e o relacionamento entre as pessoas?

Hoje, muitos lugares estão perdendo a essência. Não existem, de maneira geral, muitas políticas públicas de formação, de cultura popular. Desde cedo, somos forçados a entrar em uma sociedade imediatista e competitiva, o que torna muito fácil que percamos nossos valores.


Os grupos que se relacionam na cidade procuram mudar essa situação; eles interagem justamente para resgatar esses costumes, manter a cultura e evitar essa indiferença por parte das pessoas. Incentivo é importante: sempre procuro apoiar os projetos dos quais não participo. Tudo isso para possibilitar que as pessoas tenham acesso à sua própria cultura. É possível fazer com que a comunidade saiba sua história e costumes, desde que haja um trabalho dos envolvidos diretamente nesse sentido.


Oficialmente falando, você é marceneiro pela Prefeitura. Acredita que para a manutenção da cultura popular as pessoas, assim como você, devem fazer mais do que o esperado? Sair da rotina e se esforçar?

Sim, acredito fortemente. As pessoas se inspiram e se empenham na manutenção da cultura, indo além de suas ocupações “oficiais”. Eu mesmo tenho trabalhado assim durante minha vida inteira.


Esse projeto de ciranda cultural, por exemplo, é totalmente voluntário. Não ganho nada com isso, monetariamente falando. Vou às escolas para passar às crianças o conhecimento de meus pais, dos mais velhos. A gratificação vem de outra forma. Vem ao saber que a identidade da cidade que amo está sendo preservada.


Os trabalhos que realizo são feitos como se fossem para minha própria casa. Acredito que aquilo que é bom não pode ser guardado apenas para o indivíduo. Deve ser compartilhado, exteriorizado, para que as pessoas possam se espelhar e se reconhecer naquilo.


Eu acho, até, que a cultura pode ser uma fonte de renda para as pessoas que desejem trabalhá-la. Neste ano será apresentado ao Prefeito um projeto de Músicos do Amanhã, de cultura na roça. Violão, viola e música típica. Há remuneração, e isso pode ser uma ponte para o futuro da população, especialmente da zona rural, que é muito carente.


Nossa proposta sempre será trabalhar intensamente as comunidades rurais para despertar essa cultura, esse conhecimento que está se perdendo aos poucos. E, para isso, é necessário que todos se empenhem, procurem fazer mais do que o “feijão com arroz”.


“TRABALHAR A CULTURA É TRABALHAR A SENSIBILIDADE DO SER HUMANO”

Como você vê o futuro da comunidade? A participação popular tem aumentado? Qual a “receita” para um local tão pequeno ser tão rico culturalmente?

Tem aumentado com certeza! Antigamente, quando comecei esse trabalho, os lagoinhenses ficavam de longe. Eram ressabiados, estranhavam. Para se ter uma ideia, quando mudei para Lagoinha não se comemorava o aniversário da cidade.


Agora conseguimos implantar muitas coisas diante dessa vontade coletiva. O povo todo participa, chega junto. É muito colaborativo, e isso contribui muito com a manutenção dos costumes locais.


Quanto ao futuro... Olha, eu gostaria que, de maneira geral, as pessoas se sentissem bem. Cultura não é só cantar ou tocar viola; cultura é a maneira de ser de cada cidadão. Procuramos respeitar as pessoas como são. Trabalhar a cultura é trabalhar a sensibilidade do ser humano. Somando o que cada um se dispõe a fazer, temos um panorama futuro muito bonito. A gente possibilita que a pessoa melhore sua saúde, sua autoestima e até sua renda. Espero que isso propicie dias cada vez melhores aos habitantes daqui.


Você é um grande símbolo de liderança comunitária. Qual o papel da participação popular na sociedade? Por que é importante que a população lute por uma realidade cada vez melhor?

A população não deve ser acomodada. Infelizmente, hoje em dia não se investe muito em incentivos culturais para jovens e suas famílias; é de interesse de diversos setores que as pessoas se acomodem, privando-as de qualquer resistência que possam ter frente à perda de sua própria identidade.


Não quero isso em meu trabalho. Não quero isso em meu mundo! Quero que os indivíduos descubram seus valores, sua importância dentro da sociedade em que vivem. Somente assim, lutando por esses princípios, é que nossa sociedade vai se modificar. Espero uma convivência cada vez mais participativa e comunicativa e que, no futuro, possa entregar algo diferente para nossa família, comunidade, cidade e País. Por isso faço esse trabalho.


Há obstáculos? Claro que há. Mas as pedras do caminho são superadas sempre. Não podemos ignorá-las; é preciso criar condições para que os desafios sejam vencidos. Se trabalharmos a cultura com respeito, honestidade e firmeza, um mundo melhor será possível. E ele ainda vai existir.


Entrevista realizada por Renato Mobaid.


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